sábado, 12 de abril de 2008

Costumes do homem primata

Brasileiro é ignorante. Brasileiro é hipócrita, é cruel, é marionete nas mãos da mídia sensacionalista, irresponsável, criminosa. O povo segue o pai e a madrasta de Isabella Nardoni, faz vigília na frente da casa dos personagens mais famosos do país nas últimas semanas, acena para as câmeras com um sorriso incompreensível para quem estaria ali como agente da justiça, supostamente movido pela tristeza pela morte violenta da menina de cinco anos. Grita "assassino, assassino!!!" a cada aparição de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, tenta linchá-los, vive em função de mais um espetáculo ovacionado pela primitividade humana. Há até quem ensaie um choro de solidariedade à Isabella, para dar mais emoção à reportagem. É tudo que querem os abutres.

Se o casal é mesmo culpado pela monstruosidade praticada, deve sim ser punido com rigor. Mas quem vai fazer isso é a Justiça. O povo não tem nada a ver com a história, deve deixar que o Estado faça sua parte. Nada está provado, e os "primatas" já deram o veredito final. Ignorância. Que sentimento tão hipócrita move essas criaturas? Eu respondo: O mesmo sentimento que justifica a desaprovação ao aborto num Brasil em que 1 milhão de mulheres procuram as clínicas clandestinas todo ano para abortar. O mesmo que leva um "primata" a condenar o racismo e fazer piadas com negros ou disparar xingamentos racistas quando um negro o fecha no trânsito.

O povo realmente se convenceu de que o casal acusado é assassino (não que eu não ache, mas quem sou eu para julgar antecipadamente?). Em conversas corriqueiras nos últimos tempos, o assunto fatalmente vem à tona, e a primeira reação da maioria é chamá-los de assassinos. Usam sempre essa palavra: "assassinos". Como se tivessem sido treinados para falar a mesma coisa, como se todos tivessem sido vítimas da mesma lavagem cerebral. Revolto-me a cada "assassino!" que ouço. Não porque defendo o casal (nem pensar), mas pela propriedade com que se fala de algo tão distante da própria realidade. Tal reação é produto da imprensa irresponsável interessada em lucro, muito lucro. Folha de S. Paulo, Diário de S. Paulo, Jornal da Tarde, Record, aquele desequilibrado do Datena... "Pára, pai! Pára, pai!", alardeou o Diário de S. Paulo em manchete, sobre os berros de criança ouvidos por um vizinho do acusado antes do crime. "Nardoni abriu e fechou quatro empresas em cinco anos", grita um título do mesmo jornal. E daí? Será que isso faria um pai matar sua filha? Qual a importância de tão inútil informação para as investigações, ou para o povo? "Bancado pelo pai, Nardoni queria ser policial", informou a Folha. Que revelador!!! Pisam em cima da privacidade de um homem, escancaram sua vida em minúcias. Tudo para vender jornal. Aí, os "primatas" mastigam, engolem e arrotam em coro suas conclusões em impropérios e proferindo a sentença final.

Pelo que parece, ninguém lembra do caso Escola Base, em 1994. A polícia foi precipitada ao acusar com alarde os donos da escola infantil, o casal Maria Aparecida Shimada e Icushiro Shimada, e o colaborador Maurício de Alvarenga de abusar sexualmente dos alunos, em São Paulo. A acusação foi motivada por denúncias de uma mãe. A grande mídia os condenou cruelmente e sem provas. "Escola de Horrores", estampou a Veja em suas páginas. Depois da sentença da imprensa, o povo, manipulado, terminou de destruir a vida dos donos da instituição. Muros da escola foram pichados com xingamentos. Conclusão: os acusados foram considerados inocentes por falta de provas e receberam indenização de 100 salários mínimos do governo de São Paulo, por decisão judicial. Nenhum veículo de comunicação foi punido. E se a mídia tem memória curta, o povo mais ainda: o caso caiu no esquecimento.

Neste país de primatas, ninguém aprende com os erros. Tenho vergonha de ser brasileiro.

P.S.: O povo se revolta pela morte de uma menina que não conheciam (uma crueldade, é claro, mas longe da realidade de todos). Por que não se revolta de verdade com a péssima qualidade de escolas públicas, ou com o aumento pífio das aposentadorias? Por que não protesta contra os corredores lotados dos hospitais públicos? Por que não invade o Congresso para tirar satisfação com os envolvidos nos escândalos de corrupção que assaltam o bolso de cada um dos brasileiros? A sociedade busca o Cristo para crucificar, por todas as angústias que a atormentam, no lugar mais fácil. Desculpem pela redundância, mas a ignorância é mesmo revoltante.