terça-feira, 10 de março de 2009

E o machismo, o mais primário dos comportamentos, resiste

Li na grande mídia nesta semana duas notícias tão antagônicas que me fizeram concluir que a evolução do ser caminha a passos muito mais lentos do que a evolução dos tempos. Com base em números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), um outro órgão, o Intituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), constatou que as mulheres já possuem a maior renda da casa em 30% dos lares brasileiros. Em contrapartida, 20% das mulheres casadas já foram vítimas de algum tipo de violência física dentro de casa (desculpem, não me lembro da fonte).
Não sou psicólogo, nem antropólogo, nem sociólogo, mas arrisco dizer que tal paradoxo só pode ter origem no machismo - maneira rústica e simplista de pensar as relações humanas e entre gêneros - tão enraizado nas mentes e manifestado a todo momento tanto por homens quanto pelas próprias mulheres. Faça um teste simples para provar o quanto estamos contaminados pelo machismo. Imagine seu casal de vizinhos: se o homem trai, o que você pensará dele? Dê adjetivos e imagine a reação da sociedade àquele ato. Agora, se a mulher trai, o que você pensará dela? Novamente, adjetive, e seja honesto ao comparar o real sentido, para você e para a sociedade em geral, de safado ou cafajeste e de vagabunda ou vadia.
Cansei de ouvir mulheres achincalhando a amante de um personagem da novela do momento, em retóricas inflamadas do tipo "como ela pode destruir uma família? É uma vagabunda". Afinal, quem firmou um compromisso de vida: o marido que trai ou a amante descompromissada, que não deve fidelidade a quem nem conhece? A traição masculina é tolerada, a feminina, condenada. Ora, que lógica é essa se não a do machismo?
A bíblia sagrada - ressalvas de quem vos escreve quanto ao sagrada - ensina: o homem é o provedor, a mulher deve servir ao marido e reproduzir. Preciso dizer mais alguma coisa?
É desse conjunto de valores arcaicos, de um mundo sexista em sua origem, que um Brasil com forte ranço machista ainda não conseguiu se livrar. É desse pensamento reinante, portanto, e também de todos que o reproduzem, a culpa pela manutenção da violência doméstica em tempos nos quais a mulher já toma a dianteira como chefe de família em tantos milhões de lares.
Maria da Penha, mulher de fibra e coragem, fez muito por este país ao vir a público, lutar e ser exemplo para a criação de uma lei que ampara tantas mulheres que convivem com o inimigo dentro da própria casa. Mas só isso não adianta. É preciso mudar os valores e reverter os preconceitos reproduzidos por toda uma sociedade.

P.S.: Hoje mesmo, de dentro do ônibus, assisti a uma cena chocante de truculência masculina no meio da rua. Em uma via movimentada próxima ao Centro, um rapaz sem a mínima vergonha e pudor tentou encerrar a discussão com sua parceira puxando os cabelos dela e empurrando-a para o meio da rua. Ela gritava desesperadamente, xingava-o. Depois da agressão em público, para tentar contê-la, ainda correu atrás dela para, provavelmente, mais uma surra. A mulher fugiu, chorando (Ela vai correr o risco de denunciar? Esse é outro problema). Há pouco mais de um ano, em frente ao Shopping Miramar, um homem parou o carro em fila dupla, aos gritos, virou para o banco de trás e deu dois tapas na cara da esposa, que estava ao lado do filho que não devia ter mais do que 8 anos. Ela gritou: "chamem a polícia, ele está me batendo". Da calçada, outra mulher próxima a mim parou e, em voz alta, o xingou de covarde e ameaçou ligar para a polícia. Desnorteado de raiva, o agressor retrucou: "sua vagabunda, filha da p..., vai cuidar da sua vida". E fugiu em disparada. Olhe em volta. A selvageria e a barbárie contra a mulher está muito próxima de todos nós. E não perca a capacidade de se indignar e denunciar.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Persuasão covarde em nome do lucro

Acredito que, como tantas outras, a discussão sobre a proibição da propaganda dirigida a crianças no Brasil está ultrapassada. Em forma de projeto de lei que visa banir esse tipo de publicidade, o assunto tramita na Câmara dos Deputados e divide opiniões. A Comissão de Defesa do Consumidor aprovou o projeto de lei em 2008, mas a Comissão de Desenvolvimento Econômico, dado seu caráter e seus supostos interesses, é contra a proibição.
A publicidade é uma forma de comunicação persuasiva e, por tal natureza, deve ser direcionada apenas a quem tem senso crítico e capacidade de discernimento para digerir, aceitar ou rejeitar a mensagem que recebe. Caso contrário, trata-se de deslealdade e covardia. Portanto, uma criança de 3, 4, 5 anos de idade não deve ser alvo da publicidade pois não consegue discernir que tal mensagem está imbuída de interesses comerciais e visa exclusivamente o lucro. Isso me parece ponto pacífico.
Mais: a propaganda estimula o consumismo desenfreado que toma conta das mentes no atual modelo capitalista insustentável e, apesar da crise, ainda timidamente questionado. Se deixamos que o mercado se comunique livremente com nossas crianças, da forma que bem entende e com os propósitos que o convém, estamos dando o aval para que esse desejo incontrolável pelo supérfluo seja plantado nos primeiros anos de vida de futuros cidadãos. Em outras palavras, estamos deixando que a publicidade forme consumidores, pessoas materialistas, antes mesmo que eles aprendam os preceitos básicos da cidadania. Proibir a publicidade infantil, portanto, é um ato de educação.
Vamos ver quem ganhará essa queda de braço. Para quem leu nas entrelinhas das manchetes sobre o assunto, nas últimas semanas, o lobby do mundo corporativo já começa a mostrar suas garras nos bastidores. Curiosamente, em meio ao calor das discussões, os jornais anunciaram há duas semanas que o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) está mais rigoroso na fiscalização da propaganda apelativa direcionada às crianças: suspendeu 17 comerciais no ano passado, 10 a mais do que em 2007. Parece-me conveniente para a indústria que tal notícia tenha sido divulgada justamente quando um projeto de lei pela proibição tramita na Câmara. Será que alguém está querendo dizer que proibir não é necessário, já que a fiscalização está mais rigorosa?
Uma pena não haver mobilização popular neste país carente de vozes mais enfáticas.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Desabafo


Sinto uma angústia súbita. É como se a incerteza que me acompanha se transformasse numa inquietação desesperadora da alma. Uma alma ainda perdida, que tanto exige do mundo, mas que dele pouco consegue tirar. É mais fácil o desejo de ter em tempos de prazeres terrenos. Os cegos são felizes. É difícil querer do planeta uma natureza essencialmente, puramente humana. Esse mundo não é para mim. Talvez eu não seja para ele. E a ele parece que não vou sobreviver. É tão imperioso, tão onipresente. Sou fraco num planeta que corre alucinado. Quero dormir.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

A infâmia do capital

Peço desculpas ao pequeno porém seleto grupo de leitores deste blog pela ausência dos últimos meses. Acontece que manter um blog atualizado requer motivação de seu autor. E ela só voltou agora.
Não perco a capacidade de me indignar com a mentalidade mesquinha e medíocre de porta-vozes do capitalismo voraz que, bem ou mal, rege nossas vidas. Depois de cortar o IPI do setor automotivo, para reaquecer o mercado, e liberar bilhões a montadoras de veículos que amargaram queda nas vendas que, em percentual, chega a dois dígitos, o governo brasileiro criticou as empresas que receberam a ajuda estatal pelas demissões em massa anunciadas nesta semana. Concordo com Lula: se as empresas estão recebendo dinheiro do Estado (leia-se do povo), não devem demitir. Só resta saber se isso ficou claro a essas corporações como uma contrapartida.
Por sua vez, José Carlos Pinheiro Neto, vice-presidente da famigerada GM, joga ao "mercado" o papel de termômetro da economia e a responsabilidade pelas mais de 700 demissões anunciadas no início da semana. Em rede nacional e com a cara lavada, ele afirmou que quem vai decidir se as vendas vão subir ou não e se vai haver mais demissões é o mercado. Em suma, na hora que precisa de ajuda, é ao Estado (novamente, leia-se aos cidadãos, para eles, consumidores) que as empresas recorrem, mas sobre as demissões, se vão ou não ocorrer, quem decide é o mercado. Uma lógica ideologicamente torta, conveniente e perversa.
Em tempo: é de se estranhar que corporações tão poderosas, com produções nada sustentáveis que cresceram 20%, 30% nos últimos anos que resultaram em lucros recordes, precisem de ajuda após três meses de crise. Essa é a ditadura do lucro. Em tempos de expansão, são essas corporações que se desdobram em discursos cada vez mais apelativos da publicidade para vender o que não precisamos. Mas quando o progresso virtual vira crise real, o ônus recai sobre nós, os "cidadãos".