quarta-feira, 7 de maio de 2008

Homenagem a uma linda pessoa


Lembro quando cruzei com ela pela primeira vez. No meio da redação, por volta das 14 horas. Estava séria, vestia uma roupa séria, e me olhou de um jeito sério. Saiu da reunião andando rápido na direção contrária a mim, olhou-me e fez um movimento quase imperceptível com a cabeça sinalizando um cumprimento. Nada de sorrisos. Achei estranha, fechada demais, carrancuda. Depois vim saber que tudo não passava de uma timidez incontrolável. Tanta seriedade não me impediu de alimentar por ela uma empatia gratuita à primeira vista. Sabia que era gente boa. Depois que conheci, descobri que é muito mais do que isso. Alguns dias de conversa e um momento tenso, em que ela mostrou seu caráter e sua sensibilidade... pronto: uma amizade de verdade.

Rifer, adoro tudo em voce. Até a Rifer do mal. Gosto das nossas conversas compenetradas sobre as mazelas do mundo, da conversa fiada nossa de cada dia, dos finais de semana na mesa de bar (com Vis), dos nossos passeios fotográficos. Amo o seu "Bru", que é único, a sua paciência para ouvir a qualquer hora, a sua sinceridade, lealdade, sensatez, o seu talento e esse enorme coração. Minha querida, que estejas sempre por perto, mesmo que, algum dia, fisicamente distante.

sábado, 12 de abril de 2008

Costumes do homem primata

Brasileiro é ignorante. Brasileiro é hipócrita, é cruel, é marionete nas mãos da mídia sensacionalista, irresponsável, criminosa. O povo segue o pai e a madrasta de Isabella Nardoni, faz vigília na frente da casa dos personagens mais famosos do país nas últimas semanas, acena para as câmeras com um sorriso incompreensível para quem estaria ali como agente da justiça, supostamente movido pela tristeza pela morte violenta da menina de cinco anos. Grita "assassino, assassino!!!" a cada aparição de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, tenta linchá-los, vive em função de mais um espetáculo ovacionado pela primitividade humana. Há até quem ensaie um choro de solidariedade à Isabella, para dar mais emoção à reportagem. É tudo que querem os abutres.

Se o casal é mesmo culpado pela monstruosidade praticada, deve sim ser punido com rigor. Mas quem vai fazer isso é a Justiça. O povo não tem nada a ver com a história, deve deixar que o Estado faça sua parte. Nada está provado, e os "primatas" já deram o veredito final. Ignorância. Que sentimento tão hipócrita move essas criaturas? Eu respondo: O mesmo sentimento que justifica a desaprovação ao aborto num Brasil em que 1 milhão de mulheres procuram as clínicas clandestinas todo ano para abortar. O mesmo que leva um "primata" a condenar o racismo e fazer piadas com negros ou disparar xingamentos racistas quando um negro o fecha no trânsito.

O povo realmente se convenceu de que o casal acusado é assassino (não que eu não ache, mas quem sou eu para julgar antecipadamente?). Em conversas corriqueiras nos últimos tempos, o assunto fatalmente vem à tona, e a primeira reação da maioria é chamá-los de assassinos. Usam sempre essa palavra: "assassinos". Como se tivessem sido treinados para falar a mesma coisa, como se todos tivessem sido vítimas da mesma lavagem cerebral. Revolto-me a cada "assassino!" que ouço. Não porque defendo o casal (nem pensar), mas pela propriedade com que se fala de algo tão distante da própria realidade. Tal reação é produto da imprensa irresponsável interessada em lucro, muito lucro. Folha de S. Paulo, Diário de S. Paulo, Jornal da Tarde, Record, aquele desequilibrado do Datena... "Pára, pai! Pára, pai!", alardeou o Diário de S. Paulo em manchete, sobre os berros de criança ouvidos por um vizinho do acusado antes do crime. "Nardoni abriu e fechou quatro empresas em cinco anos", grita um título do mesmo jornal. E daí? Será que isso faria um pai matar sua filha? Qual a importância de tão inútil informação para as investigações, ou para o povo? "Bancado pelo pai, Nardoni queria ser policial", informou a Folha. Que revelador!!! Pisam em cima da privacidade de um homem, escancaram sua vida em minúcias. Tudo para vender jornal. Aí, os "primatas" mastigam, engolem e arrotam em coro suas conclusões em impropérios e proferindo a sentença final.

Pelo que parece, ninguém lembra do caso Escola Base, em 1994. A polícia foi precipitada ao acusar com alarde os donos da escola infantil, o casal Maria Aparecida Shimada e Icushiro Shimada, e o colaborador Maurício de Alvarenga de abusar sexualmente dos alunos, em São Paulo. A acusação foi motivada por denúncias de uma mãe. A grande mídia os condenou cruelmente e sem provas. "Escola de Horrores", estampou a Veja em suas páginas. Depois da sentença da imprensa, o povo, manipulado, terminou de destruir a vida dos donos da instituição. Muros da escola foram pichados com xingamentos. Conclusão: os acusados foram considerados inocentes por falta de provas e receberam indenização de 100 salários mínimos do governo de São Paulo, por decisão judicial. Nenhum veículo de comunicação foi punido. E se a mídia tem memória curta, o povo mais ainda: o caso caiu no esquecimento.

Neste país de primatas, ninguém aprende com os erros. Tenho vergonha de ser brasileiro.

P.S.: O povo se revolta pela morte de uma menina que não conheciam (uma crueldade, é claro, mas longe da realidade de todos). Por que não se revolta de verdade com a péssima qualidade de escolas públicas, ou com o aumento pífio das aposentadorias? Por que não protesta contra os corredores lotados dos hospitais públicos? Por que não invade o Congresso para tirar satisfação com os envolvidos nos escândalos de corrupção que assaltam o bolso de cada um dos brasileiros? A sociedade busca o Cristo para crucificar, por todas as angústias que a atormentam, no lugar mais fácil. Desculpem pela redundância, mas a ignorância é mesmo revoltante.

quinta-feira, 20 de março de 2008

"A burguesia fede"


No olhar triste do menino, grita o sentimento de exclusão. Desconfiado, tenta se esconder. É um entre os milhares que habitam favelas na Baixada Santista, um dos milhões que vivem nas condições subumanas dessas habitações e que representam, no país das disparidades, 20% da população. Incluindo na conta moradores de cortiços, loteamentos clandestinos e outros tipos de submoradia, chega a 40% a quantidade de brasileiros excluídos, "escondidos" por imposição nos subúrbios dos aglomerados.

Lembro desse olhar quando ouço alguém discursar, em tom de revolta, que, pela redução das desigualdades, já faz sua parte pagando impostos. A lógica elitista joga para o governo a total responsabilidade pela exclusão, e lava as mãos. Perfeita definição é a do urbanista e cientista político João Sette Whitaker Ferreira, pesquisador do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da USP. Ele diz que a maneira como os brasileiros vêem a pobreza e como os governantes conduzem as políticas de habitação, reservando às perifierias capengas e sem estrutura os conjuntos habitacionais, promove um gritante apartheid social, no pior sentido do termo.

Os pobres são no Brasil um tipo de refugo humano depositado bem longe das vistas da classe média e da elite, em uma periferia sem áreas de lazer, sem escolas decentes, sem hospitais de qualidade. A esses "dejetos" estão reservadas as sobras. Alimentam-se delas sem que ninguém precise ver. São lembrados quando integrantes desse refugo, produtos caricatos da exclusão, invadem condomínios de luxo, promovem arrastões na praia, matam à sangue frio, cometem atrocidades que ganham dimensões no alarde dos telejornais. Aí, a burguesia alienada, que nunca pisou em uma favela e olha com ares de inconformismo cada vez que passa, em seu carro, ao lado de uma, que atravessa a rua quando vê um negro mal vestido se aproximar, que, em um bar com os amigos, vira o rosto a uma criança que pede algo para comer, que usa drogas e alimenta o tráfico aliciador de menores sem esperanças na vida... essa elite sai às ruas vestida de branco, resumindo a solução à crise social a leis mais rígidas, pedindo providências do governo contra violência em protesto pela paz. Que paz tão almejada é essa, se os mesmos hipócritas semeiam o rancor e o ódio, fortalecem o tráfico e promovem a manutenção da miséria?

A miopia do Brasil se agrava com o tempo. Infelizmente, caminha-se para trás, e a cegueira é iminente. Nosso erro é olhar para o umbigo e não enxergar a raiz do problema. Mais do que a falta de educação e de moradia decente, o problema é o egoísmo e a falta de humanismo, de cidadania, de consciência social. Cada cidadão deveria conhecer ao menos um pouco do que é viver na exclusão da favela para ser menos mesquinho, menos cruel e transpor o mundinho medíocre em que vive. Deveria entrar em uma submoradia, sentir o cheiro que sobreviventes de palafitas se acostumaram a inalar, absorver em olhares a tristeza de não saber se amanhã haverá o que comer. E, quem sabe, fazer bem a quem precisa. Por mínimo que seja, todos têm algo a doar.
(A foto foi tirada em outubro de 2007, na favela de Santa Cruz dos Navegantes, no Guarujá)

sexta-feira, 14 de março de 2008

Ao apagar das velas


Curioso como algumas pessoas vão "encolhendo" com a chegada da velhice, numa tentativa involuntária de recolher, aos poucos, todos os vestígios de sua existência. Delimitam seus domínios e reservam espaço em volta para as memórias dos anos bem vividos. Minha bisavó é quase centenária. Nasceu no Brasil da República Velha, 24 anos após a libertação dos escravos. Viu as duas guerras mundiais, viveu duas ditaduras, os "50 anos em 5", o "milagre econômico", a invenção da televisão, a chegada dela ao Brasil, o advento da internet. Quanta história essa mulher de nome Rosa guarda na memória!

Mês que vem, ela completa 97 anos deitada em uma cama de onde, pelo que parece, não sairá mais até deixar este mundo. Até dois meses atrás, ainda andava pelo apartamento. Agora, os ossos não suportam nem alguns metros de caminhada. Restam a ela a fé, com que pede proteção aos familiares, e as lembranças guardadas nos retratos espalhados pelo quarto. Lembro-me de minha bisavó sentada na poltrona da casa da minha avó, na época de meus alegres 8 anos de idade (ela já estava em processo de recolhimento). Gostava de contar histórias para os bisnetos, as mesmas com que prendia a atenção de filhos e netos. A conclusão sempre era uma lição de vida. Quando aprontávamos na ausência de minha avó, uma mulher dona de imenso coração, mas bastante enérgica, dona Rosa lançava a ameaça: "quando ela voltar, eu conto tudo". Nunca foi capaz de delatar nossas travessuras.

Hoje, demonstra uma memória surpreendente para uma senhora que beira os 97. Sabe a data de aniversário de muitos familiares, sempre pergunta as horas e, apesar de não sair mais de casa, acompanha o calendário de cabeça, como se fosse um hobby. Na maior parte do dia, parece inerte, indiferente ao resto de vida que ainda tem pela frente. Mas abre um sorriso enorme com a visita dos descendentes. É nessas horas que vem a certeza de que ela teria muito para contar, inúmeros ensinamentos a acrescentar às novas gerações.

As pessoas passam pela vida e, quando a velhice bate à porta, perdem seu lugar neste mundo. São como um estorvo, um obstáculo ao crescimento, à renovação, à mudança. Pagam mais caro pela saúde, são vítimas da intolerância, da falta de paciência do mundo que tem pressa para rotacionar. Acabam encontrando um canto onde não incomodam, para recostar e colecionar as memórias, em uma incompreensível espera pela morte. E partem deste plano como arquivo morto de uma valiosa história de vida, que, no momento derradeiro, parece não valer mais nada.

terça-feira, 11 de março de 2008

Paradise now


Desci no país errado. É tudo uma ilusão de ótica. Não pode o sol brilhar tão forte e deixar seu rastro alaranjado num mágico entardecer, não pode a maresia acariaciar o rosto com delicadeza ímpar, não pode a chuva despencar feroz de um céu carregado em alto verão, na mais perfeita tradução de natureza, não pode a geografia de formas espetaculares moldar cenários que fazem a respiração cessar por instantes, não pode o conjunto de tais pínturas fazer singular um país que se suicida dia após dia, com a frieza de um psicopata. No Brasil de tantas curvas, tantas virtudes e inúmeras imagens, mais de 470 anos se passaram para que um presidente concluísse: "O povo vai mal". Levará a solução mais 470 anos para chegar? Não é real. É mesmo tudo uma ilusão de ótica.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Dos males, o menor


Logo eu, crítico implacável das "mazelas" da cidade (que na verdade são mazelas não tão evidentes assim), pego-me às vezes reconhecendo, para mim mesmo, que Santos tem seus méritos. Viver na Santos em que nasci, cresci e fui educado, uma Santos em que se captam imagens como a postada acima em um entardecer agradável de primavera, tem lá suas vantagens.
Fora as idéias (e atitudes) provincianas e bairristas de seu povo, os péssimos hábitos caiçaras que ignoram qualquer norma básica de educação, a burguesia falida, alienada, que cultua o ócio e paga pela manutenção da mediocridade das colunas sociais, a falta de visão corporativa dos próprios empresários (tão provincianos quanto quem os mantém empresários), a falta de profissionais qualificados até mesmo para funções aparentemente simples, o mercado de trabalho restrito, o paternalismo e clientelismo que alimentam a injustiça, a desigualdade velada, fora a estúpida engenharia de tráfego que não consegue sincronizar os semáforos de uma única avenida, a inabilidade dos motoristas, o mar de esgoto, o calor insuportavelmente úmido que deixa a blusa permanentemente grudada ao corpo durante 24 horas em pelo menos 350 dias do ano (nos outros 15 dias, o mormaço dá lugar à chuva fina e às ressacas do mar que sempre fod... a cidade)... fora tudo isso, até que Santos oferece qualidade de vida. É afinal, a quinta no quesito, nesse vasto país em ruínas. Dos males, o menor.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

A exaustão



Eta, imensidão de mundo! A perfeição nos afronta. Inquieta a alma já tão aflita e amarrada na breve existência. Dá para ser tão grande assim? Dá para alcançar horizontes de tal retidão, de um poder sem pudores que não conhece o fim? Se o céu é o limite, porque meus pés não saem do chão? Estou exausto.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Um dos brasis... o que não muda



"Tem um Brasil que é próspero, outro não muda; um Brasil que investe, outro que suga; um de sunga, outro de gravata; tem um que faz amor e tem o outro que mata".


Seu Jorge